Decreto de Temer cria duas maiores reservas marinhas do Brasil
Com área equivalente aos Estados de Minas Gerais e Goiás juntos, unidades abarcam arquipélagos de Trindade e Martim Vaz (ES) e São Pedro e São Paulo (PE).
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Arquipélago São Pedro e São Paulo Foto: Eduardo Carvalho / Globo Natureza
O presidente Michel Temer assinou um decreto que transforma partes dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, em Pernambuco, e de Trindade e Martim Vaz, no Espírito Santo, nos dois maiores conjuntos de unidades de conservação marinha do Brasil.
Conforme o Diário Oficial da União desta terça-feira (20), foram criadas duas Áreas de Proteção Ambiental (APA) e dois Monumentos Naturais (Mona) nas proximidades dos arquipélagos, num total de 92 milhões de hectares – uma área equivalente aos estados de Minas Gerais e Goiás somados.
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o decreto faz com que a porção de águas marinhas protegidas no Brasil passe de 1,5% a 25%. Isso permite que o país cumpra com folga um acordo internacional que prevê a proteção de 17% das águas marinhas e costeiras até 2020.
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Pesquisadores estudaram a cordilheira submersa entre Vitória e a ilha de Trindade, a 1.200 km do continente; ela é composta por 30 montes submarinos de origem vulcânica (Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação)
Para Angela Kuczac, diretora-executiva da Rede Pró-Unidades de Conservação, o decreto representou “uma vitória para a natureza”.
“Os limites (das unidades) poderiam ser melhores, o desenho das áreas poderia ser mais representativo e ter incorporado áreas que ficaram de fora, mas é inegável o ganho e o avanço que tivemos hoje”, afirmou.
‘Floresta no fundo do mar’
Uma das reservas criadas abarca uma formação que o biólogo capixaba João Luiz Gasparini define como “uma floresta tropical no fundo do mar” – a cordilheira composta por cerca de 30 montes submarinos de origem vulcânica entre a cidade de Vitória e a ilha de Trindade, a 1.200 km do continente.
Coautor do artigo, João Luiz Gasparini descreve o espanto de sua primeira visita a Trindade, em 1995. Logo após desembarcar na ilha, diz ter encontrado numa poça de maré uma espécie que jamais havia sido catalogada pela ciência – um peixe azulado com uma mancha amarela no topo.
“De cara percebi que existia ali um universo fantástico para ser explorado”, ele diz.
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Cadeia de montes submarinos entre Vitória e a ilha de Trindade guarda “floresta tropical no fundo do mar” (Foto: Museu Nacional – UFRJ)
O animal, batizado Stegastes trindadensis, integra o grupo de 13 espécies de peixes recifais endêmicas (restritas ao local) registradas na cordilheira até agora. Somando-as às que também habitam outras regiões, a lista alcança 270 espécies de peixes recifais – 24 delas ameaçadas de extinção –, uma das mais altas taxas de diversidade entre todas as ilhas do Atlântico.
Também habitam a cordilheira cerca de 140 tipos de moluscos, 28 de esponjas, 87 de peixes de mar aberto, 17 de tubarões e 12 de golfinhos e baleias.
Pesquisadores tentam agora ultrapassar pela primeira vez o ponto no fundo do mar a partir do qual a temperatura cai drasticamente, uma variação conhecida como termoclina. Por enquanto, alcançaram no máximo 80 metros de profundidade.
Abaixo dessa zona, sobre montes mais distantes da superfície, esperam encontrar espécies distintas das vistas até agora. “Os recifes mais profundos são o novo éden, a próxima fronteira para quem quer fazer mergulho científico no mundo”, diz Gasparini.
Mergulho desafiador
Há muitos anos pesquisadores tentam chegar às águas frias da cordilheira, mas a distância entre a costa e os montes submersos mais fundos torna a missão complexa.
Navios da Marinha costumam levar três dias para chegar a Trindade, onde o Brasil mantém uma base militar. E para mergulhar até as profundezas com segurança, é preciso contar com equipamentos caros.
O biólogo capixaba Hudson Pinheiro, principal autor do artigo na “Nature” e que faz pós-doutorado na “California Academy of Sciences”, diz que as eras glaciais ajudam a explicar a biodiversidade da região.
Naqueles períodos, enquanto os habitats costeiros eram afetados pela redução do nível da água, os montes submarinos ficaram expostos como ilhas, tornando-se refúgios para a vida marinha.
Hoje ao menos dez desses montes têm entre 30 metros e 150 metros de profundidade. O elo da cordilheira com o continente, diz Pinheiro, é o que torna a formação brasileira única no mundo. Há outras cadeias montanhosas de origem vulcânica no meio do oceano, como o Havaí. Mas, como estão distantes do continente, o deslocamento das espécies nessas áreas é limitado.
Outra explicação para a riqueza da fauna na cordilheira é variedade de algas calcárias, um tipo de planta marinha responsável pela formação de recifes naturais. Há na cadeia 16 espécies dessas algas, que criam nichos e habitats para centenas de outras espécies.
Pinheiro era um dos principais entusiastas da criação da reserva marinha. Hoje, diz ele, a área está ameaçada pela pesca comercial e pela mineração.
Há na região relatos sobre a ação de barcos com redes presas a grandes rodas, do tamanho de pneus de caminhão, que são arrastadas sobre os recifes.
Não só barcos brasileiros atuam na cordilheira. Parte da cadeia Vitória-Trindade fica em águas internacionais, por onde transitam barcos estrangeiros. Segundo os pesquisadores, há relatos de que esses barcos também estariam pescando no mar territorial brasileiro, o que é ilegal.
Em nota à BBC Brasil, a Marinha disse realizar patrulhas regulares na cordilheira para inspecionar e apreender embarcações irregulares.
Outro temor dos pesquisadores era a mineração submarina. Segundo um estudo no site do ICMBio, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) já concedeu duas licenças para a exploração de bancos de rodolito (crostas de alga calcária e outros organismos) e recifes de corais na cadeia Vitória-Trindade.
A atividade durou três anos, e o material extraído foi usado como fertilizante em plantações de cana-de-açúcar. No site do DNPM há registro de novos pedidos de licença na região.
O pesquisador disse esperar que a criação da reserva ponha fim à atividade e que a proibição da pesca em partes da cordilheira ajude a repor estoques de peixes em áreas vizinhas sobrexploradas.
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