“Picasso do INSS” de artista paraibano será exposto em Brasília
“Picasso do INSS”: quadro que vale milhões ou ninharia será exposto
Em meio à polêmica sobre originalidade, quadro será pendurado em espaço cultural no térreo do prédio do INSS em Brasília
Notícia desde o final dos anos 90, o “Picasso do INSS” segue com a autenticidade incerta e será exposto ao público. Alvo de polêmica, o quadro – um dia tratado como obra de arte valiosa, mas que provavelmente é uma reprodução sem valor – será a estrela de um novo museu em Brasília.
Por enquanto, decora o gabinete do Diretor de Orçamento, Finanças e Logística, José Orlando Ribeiro Cardoso, no quinto andar da sede do INSS, em Brasília. Até o fim de março mudará para o Espaço Cultural Elói Chaves, no térreo do prédio, onde será aberta exposição permanente com obras de arte, incluindo telas do artista brasileiro Tomás Santa Rosa e peças do antigo Instituto de Previdência.
— Os brasileiros terão a oportunidade de tirar as suas próprias conclusões sobre a autenticidade do quadro, diz Orlando Cardoso.
Embora descoberto na década de 90, o “Picasso do INSS” ficou mais conhecido após o documentário O Mercado de Notícias, de 2014, dirigido por Jorge Furtado. Nele, o diretor debate o trabalho da imprensa brasileira, conversando com jornalistas sobre possíveis equívocos cometidos.
Um desses erros seria a reportagem da Folha de São Paulo, de 2004, que informava que um quadro de Pablo Picasso estava pendurado na parede de um dos escritórios do INSS, em Brasília. A obra, no entanto, é uma reprodução do famoso quadro do pintor espanhol chamado Mulher em Branco (Femme assise, les bras croisés, 1923), atualmente parte do acervo do Metropolitan Museum, de Nova Iorque e que já foi exposta no Guggenheim.
A notícia da “mulher desenhada por Pablo Picasso” que passava “os dias debaixo de luzes fluorescentes e em meio à papelada de uma repartição do governo federal”, como relatou a Folha, foi veiculada em vários veículos no Brasil e no exterior em 2004. Algumas matérias colocavam em dúvida a originalidade da obra. Outras, no entanto, aceitaram como informação checada.
Só após o documentário, dez anos depois da matéria da Folha e quinze anos depois das primeiras reportagens sobre o “Picasso”, a originalidade do “Picasso do INSS” foi realmente colocada em xeque. O diretor reconheceu o quadro do INSS e fez a conexão com o original do museu americano.
Desde então, o INSS fez algumas tentativas de obter um laudo atestando ou não a originalidade da obra. Mas sem orçamento, e tendo que recorrer a parcerias e ao interesse pessoal de alguns servidores, o trabalho nunca foi feito. Pelo sim pelo não, o Picasso do INSS segue vivo e agora será oferecido aos olhares do público.
O estrelato
O “Picasso do INSS” foi tema da imprensa pela primeira vez em 1999, em reportagem da revista Istoé. Nela, sob o título de “O mistério de Santa Rosa”, narra-se a saga de dois procuradores do INSS para reunir o acervo do Instituto, espalhado por gabinetes e depósitos de Brasília, algo comum a outros órgãos da capital. Já de início, eles teriam encontrado “valiosos” quadros do pintor brasileiro Tomás Santa Rosa e uma “gravura de Picasso”.
Em 2003, foi a vez da Revista Época dar atenção à história, com a reportagem “Caça ao tesouro”. Neste momento surge um personagem determinante: o pesquisador Francisco Orru de Azevedo. Apresentado como “historiador de formação” e “lotado na assessoria de comunicação do ministro [Ricardo] Berzoini”, Orru era o indicado pelo Ministério da Previdência para a missão de levantar o acervo histórico e cultural do INSS.
Depois de “desmontar o quadro, estudá-lo com especialistas, levantar suas sete décadas de história documentada, entre Paris e a sala do INSS em Brasília, vasculhar registros do patrimônio governamental”, o especialista teria concluído: “São enormes as chances de termos descoberto uma gravura de Picasso, agora só falta autenticá-la no Exterior”, diz o texto.
Foi Orru também um dos entrevistados na reportagem da Folha, no ano seguinte. No entanto, pareceu mais comedido. A autenticação no exterior seguia em aberto e o Picasso do INSS “ainda aguarda(va) um destino melhor”.
Como conta no documentário, foi a partir dessa matéria que Furtado começou uma nova saga: desta vez em busca do rebaixamento do “Picasso do INSS” de obra preciosa para souvenir de lojinha de museu. Com humor e alguns exageros, ele mostra a falta de apuração ao tratar o “original” de Picasso, o que se encerra com uma errata da própria Folha de São Paulo, após a repercussão do documentário, admitindo o equívoco.
Na nota de retratação, a Folha diz ter ouvido especialistas, que disseram ser mínima a chance de o quadro ser um original. Na matéria, aparece também Francisco Orru de Azevedo, que diz: “Trata-se apenas de uma reprodução autografada”. Desde então, parecia assunto encerrado.
Uma nova versão
Francisco Orru de Azevedo não presta mais serviços ao Ministério da Previdência. Sequer trabalha com arte. É agora professor na Escola de Música de Brasília e, por telefone, contou receber todos os anos ao menos uma ligação de jornalistas perguntando sobre o “Picasso do INSS”. Ele tem uma nova teoria sobre o quadro.
— O Santa Rosa era amigo do Picasso. Quando foi estudar em Paris, ficou no atelier do Picasso. O Santa Rosa fez uma cópia do quadro. O Picasso assinou. Foi uma pessoa de Madrid ao INSS certa vez e confirmou que a assinatura é dele mesmo. Mas não foi uma perícia. Foi algo informal.
Essa versão parece ter adeptos atualmente na sede do INSS de Brasília.
De acordo com o INSS, o “Picasso” foi adquirido em 1957 pelo antigo Ipase (Instituto de Previdência do Rio de Janeiro) junto com outras obras do artista brasileiro Tomás Santa Rosa, falecido em 1956. Jornais da época relatam, já na cobertura do enterro do artista, os planos do Instituto de reunir o acervo e criar um museu no Rio de Janeiro.
O INSS, no entanto, diz não ter encontrado documentos que comprovem a aquisição do acervo. Do mesmo modo, não consegue comprovar que o “Picasso” realmente integrava o conjunto de peças pertencentes a Santa Rosa.
— Faz muito tempo, teve a mudança da capital para Brasília e ainda o incêndio do prédio em 2005, diz o arquivista do INSS Márcio Guimarães.
Depois das matérias publicadas na imprensa entre 1999 e 2005 o “Picasso” ganhou status dentro do INSS. Durante algum tempo, era possível encontrar com seguranças no quinto andar para proteger o “patrimônio”. Servidores do INSS relatam que na época em que a crença de que o Picasso poderia ser um óleo sobre tela verdadeiro, houve escolta para levá-lo do INSS para o Banco Central, onde o quadro ficou por um tempo junto com o acervo de arte do banco, em um cofre bem protegido do prédio. Hoje não há mais segurança especial para a obra.
Reforçando a tese de que o desenho poderia ser original, um estudo ou esboço da Mulher em Branco feito por Picasso, o arquivista conta que um servidor do INSS esteve no Rio de Janeiro e conversou com a filha de Santa Rosa, que teria dito que o artista brasileiro recebeu o desenho das mãos de Pablo Picasso.
Santa Rosa, no entanto, teria tido apenas um filho, Luiz Carlos, falecido há três anos. A filha dele, Luísa, mora no Rio de Janeiro e sabe pouco sobre o avô. É um sobrinho-neto do artista, Tatsuo Iwata Neto, quem tem mais informações. Ele, porém, disse que só conhece o acervo do tio-avô no INSS pelas notícias do jornal. Tampouco soube confirmar se Santa Rosa conheceu realmente Pablo Picasso.
— O que sabemos é que Santa Rosa passou uma temporada na Europa e visitou muitos ateliês. É possível que ele tenha conhecido. Mas não sabemos disso.
O mistério tem mais detalhes. Já faz algum tempo que ninguém tira o quadro da moldura para conferir a tal segunda assinatura do Picasso. Nessa moldura, no entanto, há uma etiqueta amarelada da Everaldo Molduras, em Copacabana.
Em contato, o dono, Everaldo, atestou que a moldura foi feita na sua empresa, hoje em outro endereço, há mais de 30 anos. Sabe-se agora, portanto, que o quadro foi emoldurado em Copacabana, no Rio, duas décadas depois do Ipase ter adquirido o acervo de Santa Rosa.
O INSS não sabe dizer em que ano o acervo de Santa Rosa foi enviado a Brasília.
O artista
Tomás Santa Rosa nasceu na Paraíba em 1909. Foi cenógrafo, artista gráfico, ilustrador de livros, revistas e jornais e pintor. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1932 e trabalhou em montagens de espetáculos como Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Sua carreira como pintor foi curta. Especialistas do mercado ressaltam a qualidade de Santa Rosa, mas suas telas têm baixo valor; são vendidas, em média, por R$ 10 mil. Numa rápida pesquisa com as quatro principais casas de leilões no país, o maior valor encontrado por um de seus quadros foi de R$ 60 mil.
Em contato com o Museu Picasso, em Barcelona, para questionar sobre a possibilidade de Santa Rosa ter recebido o quadro das mãos de Picasso, mas não obteve retorno até o momento.
Com R7
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