Refugiados na PB pedem que brasileiros abram os corações
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Refugiados venezuelanos em Campina Grande afirmam que foram bem recebidos por novos colegas de trabalho e vizinhos (Foto: Candice Leal/Arquivo pessoal)
Uma semana após o acirramento da tensão na fronteira de Pacaraima (RR) com a Venezuela, os refugiados venezuelanos que tentam reconstruir suas vidas em Campina Grande, na Paraíba, concederam entrevista depois de migrarem para o Brasil por causa da crise econômica e humanitária no país de origem.
Eles fazem parte do grupo de mais de 40 imigrantes que foram trazidos de Roraima desde julho em um processo organizado pelo governo federal e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Longe das famílias, eles acompanham com tristeza os desdobramentos do mais novo conflito.
No último sábado (18) , um grupo de brasileiros atacou acampamentos de venezuelanos em Pacaraima, colocando fogo em objetos, roupas e documentos dos imigrantes após um comerciante ser assaltado e agredido. Ele diz que os criminosos eram venezuelanos. O caso está sob investigação.
Na Paraíba, os venezuelanos ouvidos falam que foram bem recebidos e que vieram para trabalhar. Todos eles já estão empregados: Angel Gabriel Ordaz Marin, de 25 anos, é atendente em uma filial de fast food. Gleomar José Aillon Gomes e Yoel Vera, ambos de 44 anos, são auxiliares de cozinha.
Para o venezuelano Yoel, a crise da Venezuela é desumana e agir com qualquer tipo de violência contra os refugiados é algo cruel.
“A gente não veio pra cá para ser milionário. Viemos para trabalhar, manter a família e viver dignamente, como qualquer pessoa merece na vida. Não queremos incomodar ninguém. Por isso eu peço que a fronteira não seja fechada, peço que os brasileiros acolham os meus irmãos com o coração”, diz o venezuelano Yoel Vera, de 44 anos.
Já Gabriel Marin fala que os refugiados não podem pagar pela ação de uma só pessoa. A apreensão também tomou conta de venezuelanos que estão no Distrito Federal. “Me doeu bastante ver a saída dos venezuelanos, porque há muitas pessoas boas que vieram para trabalhar, mas há também os maus”, disse um deles, que pediu para não ser identificado.
Chegada à Paraíba e conquista dos empregos
Antes do grupo chegar à Paraíba, os empregadores dos refugiados venezuelanos fizeram uma reunião com todos os outros funcionários da empresa. O diálogo foi baseado na empatia e respeito.
“Fomos preparados para o que ia acontecer. Nós demos o nosso melhor e eles foram recepcionados da melhor forma”, afirmou a colega de trabalho Iberlânia Pereira, de 28 anos.
Logo que chegaram, os três passaram duas semanas em um abrigo da igreja. Pouco depois, o trio alugou um pequeno apartamento e hoje dividem despesas. Móveis, eletrodomésticos e aparelhos de celular vieram com as doações.
“A gente viu que eles vinham sem nada, só com poucas roupas. Procuramos o que tínhamos em casa e não estávamos mais utilizando. Eu tinha comprado um fogão novo e o antigo estava sem uso nenhum. Acredito que vai servir bastante para eles”, contou Iberlânia.
ra doou um fogão para os companheiros de trabalho venezuelanos (Foto: Iara Alves/G1)
Três histórias e um recomeço
Aos 25 anos, Angel Gabriel é o mais jovem do grupo de refugiados venezuelanos. Ele morava na cidade de El Tigre, no estado de Anzoátegui. O jovem contou que não via futuro na Venezuela, onde foi gerente de uma loja, e por isso resolveu deixar o país.
Quando chegou ao Brasil, há seis meses, ele viveu 15 dias nas ruas de Boa Vista, em Roraima. Mas, segundo ele, isso não foi nada se comparado ao período de fome que passou na Venezuela.
“Minha família toda ficou na Venezuela. Eles me dão apoio emocional e todos os obstáculos que passamos, atravessamos sempre unidos. Tive dificuldade para encontrar um trabalho fixo, mas todos os brasileiros sempre foram muito honestos e gentis comigo”, contou.
“A esperança de que as coisas melhorem na Venezuela sempre vai existir. Mas a minha meta é trazer todos para o Brasil e também construir a minha família aqui. Uma oportunidade como essa só surge uma vez na vida”, desabafou.
Gleomar José e Yoel Vera, de 44 anos, têm mais em comum do que a idade e o local de origem. Os dois têm filhos que ainda estão na Venezuela. Yoel, que era cozinheiro no estado de Anzoátegui, na Venezuela, está no Brasil há sete meses.
Ele não conseguiu esconder a preocupação que sente pelo filho passar necessidades e não poder fazer nada.
Quando Yoel veio para o Brasil, o filho e a ex-mulher dele estavam voltando para a Venezuela porque não conseguiram matricular o menino em nenhuma escola, por falta de documentação.
A cada novo dia, Yoel sente que a família dele está se esfacelando. Uma irmã migrou para o Peru e aguarda pela mãe e por uma sobrinha dele. Um irmão também planeja morar na Argentina.
Venezuelano Gleomar José faz números de mágica para os colegas de trabalho (Foto: Iara Alves/G1)
O mais animado da turma é Gleomar, que morava na cidade de Cumaná, no estado de Sucre. Ele tem três filhos que ficaram na Venezuela com os pais dele. O imigrante se orgulha por ter conseguido enviar a quantia de R$ 150 para a família. Segundo ele, a renda mensal dos familiares só permite a compra de dois quilos de arroz.
Gleomar contou que não viu outra alternativa que não fosse deixar o país. Na Venezuela ele trabalhava como cozinheiro, barbeiro e mágico. A mágica continua fazendo parte da vida dele. Agora, ela encanta a vida dos companheiros de trabalho e arranca várias risadas depois de olhares curiosos e incrédulos.
Fraternidade Sem Fronteiras
Gabriel, Gleomar e Yoel conseguiram trabalho através do Projeto “Trabalhar para Recomeçar”, da ONG Fraternidade Sem Fronteiras. A organização aproxima trabalhadores venezuelanos em situação de vulnerabilidade com empregadores de todo o país.
Os empregadores fazem um cadastro online e informam o perfil de colaboradores que precisam. Depois disso, têm acesso a lista de currículos da plataforma, podem selecionar o perfil que procuram e entram em contato com a ONG para informar a escolha.
Quando oferece uma vaga o empregador fica ciente de que a contração de um refugiado segue as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CTL), como deve acontecer com qualquer cidadão brasileiro.
A organização reúne toda a documentação necessária para os venezuelanos, inclusive, atualiza todas as vacinas deles. Além disso, após a contratação ou acolhimento, é feito um acompanhamento para garantir uma boa adaptação para eles.
Iniciativa ajuda refugiados
O acolhimento de venezuelanos no Brasil só é possível graças a iniciativas de pessoas que querem dar uma segunda chance para eles. Pessoas de todo o país se mobilizam com a causa e formam uma grande rede de solidariedade. O casal José Helio Leal Freire e Candice Leal se sensibilizou, conheceu o trabalho da Fraternidade Sem Fronteiras e após adquirir confiança no trabalho da ONG resolveu oferecer vagas para os venezuelanos refugiados.
Candice achou que o idioma poderia dificultar a relação entre os refugiados, mas viu que foi uma preocupação à toa.
“Aqui existe paciência e boa vontade dos dois lados. As famílias deles que ficaram na Venezuela fazem com que tenham uma força de vontade imensa. Eles lutam pelo sustento delas”, declarou a empresária.
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