Conheça o slam, batalha de poesia que ganhou espaço na Paraíba
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Emmanuel Moreira tem 17 anos e é estudante de teatro. José Caetano tem 27 anos e é ilustrador, tatuador e músico. Dez anos separam a vida destes dois moradores da Região Metropolitana de João Pessoa, mas ambos têm em comum a paixão pela poesia e representam a Paraíba em competições nacionais de batalhas de poetas. Isso mesmo, batalhas.
No Dia do Poeta, comemorado neste sábado (20), o oportal conversou com os rapazes e também com a poetisa Mari Oliveira. Eles fazem parte do grupo Slam Parahyba e explicam o que são essas batalhas, conhecidas como slam, que até poucos anos eram desconhecidas no estado e ganharam espaço desde 2017.
As batalhas de poesia, poetry slams, ou apenas slams, surgiram nos Estados Unidos na década de 1980. Nestas batalhas, os poetas devem ler ou apenas recitar, sem acompanhamento musical, poesias autorais. A apresentação não pode ultrapassar três minutos.
Apesar de existir no Brasil há mais de 10 anos, segundo a idealizadora do Slam Parahyba, apenas do ano passado pra cá o movimento começou a crescer no estado. “Nossa principal característica foi agregar à poesia falada, o regionalismo. Então temos uma embolada, um coco. Não há um padrão nacional a seguir, então temos mais liberdade”, diz Mari.
A primeira batalha de Slam do grupo aconteceu em João Pessoa, em maio, e reuniu cerca de 70 pessoas. De lá pra cá, já foram realizadas outras sete edições, incluindo a etapa nacional da seleção para o slam nacional.
Como funciona o slam
Segundo Mari, toda a organização da batalha acontece durante o evento, inclusive as inscrições dos poetas. Os jurados também são eleitos pouco antes das batalhas, seja por participação espontânea ou à convite da organização do slam.
No caso do Slam Parahyba, as batalhas são divididas em três etapas. Na primeira, são oito poetas. Cinco se classificam para a segunda etapa e, dessa, saem três para a final. Os jurados avaliam a interpretação do texto, o conteúdo e também a performance, com notas de zero a 10.“É proibido aos poetas e poetisas usarem adereços durante o recital. Então violão, bandeiras, qualquer coisa, não podem ser usados. Porém o participante pode usar o próprio corpo na interpretação. A gente teve uma performance na final estadual onde o poeta rasgou a roupa como parte da apresentação, os jurados consideraram legal e ficou uma performance massa”, diz a organizadora.
Apesar da maioria dos poetas levarem os poemas prontos, há espaço também para improvisos. Muitos escrevem os textos na hora, conforme o ambiente que estão presenciando. E outros também gostam de recitar algo criado na hora. “Há muita influência do repente, do coco e do rap, por exemplo”, completa Mari.
Emmanuel Moreira: Poesia como voz
Emmanuel Moreira nasceu em Santa Rita e faz teatro há dez anos, desde que tinha sete anos. “Desde pequeno comecei a fazer peças e a ler roteiros então passei a conviver com a arte desde cedo”, diz.
O adolescente explica que começou a escrever poesia em 2017, aos 16 anos, quando passou a perceber e analisar melhor o mundo onde estava inserido.
“A gente passa por uma fase na vida em que começa a perceber muitas coisas que não conhecia. Nisso eu comecei a entender a conjuntura geral do que estava acontecendo no Brasil e comecei a escrever poesia falando sobre isso. Como um ato de revolta. Encontrei na arte da poesia uma forma de ter voz e falar o que eu estava sentindo”, conta.
Em suas referências poéticas estão autores e autoras de livros infantis. “Eu gosto muito do teatro e, nessa área, especificamente, os espetáculos infantis. Quando comecei a participar de peças eu comecei a ler mais esses espetáculos e me inspiro na forma como eles abordam temas complexos para levar isso pra minha poesia”.
Emmanuel entrou para o Slam Parahyba no começo do projeto e venceu as etapas municipal e estadual da competição, indo representar o estado no Campeonato Brasileiro de Poesia Falada (Slam BR), que acontece em São Paulo em dezembro, valendo vaga na Copa Mundial de Slam.
“Passar por tudo isso, tão cedo e tão de repente, me dá um mix de sensações. É uma mistura de nervosismo com felicidade e gratidão. Poder ter participado de várias batalhas, agregado experiência com outros poetas e levar isso pra frente, mostrar lá fora, é muito bom”, completa.
Filosofino: Poesia multimídia
José Caetano Júnior, ou Filosofino, nasceu em João Pessoa e antes da poesia falada, experimentou o texto poético em ilustrações e na música. “É difícil lidar com as várias artes. Às vezes mistura tudo. É uma experiência sinestésica”, brinca.
Caetano começou a ilustrar quadrinhos em 2012, quando criou a série “As Dúvidas de Filosofino”, que tem como personagem principal um jovem questionador do sistema.
“Eu cursava ciências sociais à época então traduzia muito do que eu pensava, das questões, do ceticismo. Nessa época eu cheguei até mesmo a ter ilustrações minhas em livros didáticos de filosofia”, explica Filosofino.
Inspirado em outros poetas de slam que ele conheceu pela internet, resolveu, no ano passado, tirar o personagem do papel e, como ele mesmo disse, levar para as ruas.
“Eu comecei a experimentar uma poesia de representação do que eu sou na sociedade e o slam tem muito disso. É uma mídia diferente em que você pode falar para o público, como em um show, uma poesia que talvez não fosse lida se estivesse somente em um livro. É uma porta que se abre para o poeta marginal ter o espaço de colocar a arte dele ali”, comenta.
Adotando o nome do personagem também para seu trabalho como poeta, Caetano resolveu expandir o estilo e traduziu parte das poesias para a música, também sob o nome de Filosofino. O trabalho de estreia do projeto, o EP “Invasão”, foi lançado em maio.
“Sou negro e falo como negro nesse e espaço urbano, de nordestino, de mangabeirense, do convívio com as pessoas na rua, de dar voz pra essa galera. As músicas, os quadrinhos, tudo fala disso, e com muita representatividade”.
Entre as inspirações, Caetano fala que se influenciou em várias vertentes. Dos quadrinhos da Marvel e da DC, passando por Moebius, Frank Miller, até a música e a poesia nacional e internacional.
“Tenho muita coisa absorvida das ideias de Augusto dos Anjos, de Fernando Pessoa. Da cultura manguebeat. Me inspiro nessas pessoas e bandas que têm a perspectiva de transformar o meio urbano. Daí temos Pink Floyd, Rage Against the Machine, Kendrick Lamar, Criolo, Black Alien. É uma salada”, completa.
Com a poesia, Caetano foi convidado para representar o Slam Parahyba na edição 2018 da Feira Literária das Periferias (Flup), evento que acontece em novembro no Rio de Janeiro. Este ano a Flup homenageia Maria Firmina dos Reis e Martinho da Vila. Ele vai competir com poetas de outros 10 estados e do Distrito Federal em uma batalha nacional. Além desta competição, a Flup também vai ter um slam internacional.
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