Mulheres do Cariri paraibano ganham emancipação e visibilidade com renda renascença
O desfile das 40 peças confeccionadas por rendeiras do Cariri paraibano, inspiradas nas obras de Flávio Tavares, aconteceu nesta quarta-feira (29), em João Pessoa. As peças, de uma coleção concebidas pelo estilista Ronaldo Fraga, foram feitas à mão por artesãs da Paraíba. Elas dominam as tramas da renda renascença.
“Ele tem uma inspiração em detalhes, ele pega e recria com o traço dele, com o imaginário dele, mas calcado no meu universo, pra mim é um prêmio”, diz Flávio Tavares.
De acordo com Ronaldo Fraga, ara se entender a renda renascença é preciso entender como ela chegou no Brasil. “Essa renda nasceu no norte da Itália e desde o renascimento, era comum meninas de cinco anos aprenderem a fazer a renda e fazer o enxoval do casamento. Uma menina muito rica se apaixonou por um adversário político do pai. O pai pediu ajuda da igreja em troca do dote da filha, da herança. A igreja ajudou, mandou a menina para o Convento de Olinda, onde ela viveu dos 15 aos 96 anos. Ela criou pontos daquilo que ela vivia”, narra Ronaldo.
Nos últimos trinta anos de vida, uma paraibana aprendeu com ela a fazer a renda e, após o falecimento dessa mulher, a paraibana seguiu para Pesqueira e ensinou a fazer a renda para 15 primas durante três anos. Depois voltou para o Cariri, onde passou o final dos seus dias ensinando a renda.
Mulheres ganham emancipação e visibilidade com renda renascença, na Paraíba
A maioria delas aprendeu a arte da renda com a mãe ou alguém da família. As peças passam por uma longa tradição e até ancestralidade. É uma arte complexa, são mais de 130 pontos e diversos processos.
“Com sete anos eu comecei a ver minhas irmãs fazendo e daí eu comecei os primeiros, passos os primeiros pontos”, diz a rendeira Suelene Calvancate.
“Fui aprendendo com sete anos, fazia pouquinho, depois fui aperfeiçoando e fazendo mais”, conta Maria de Fátima Sousa, também rendeira.
“Você olha para renda e vê que ela sempre vai trazer uma história de amor”, ressalta Ronaldo Fraga.
Para fazer a renda, explica a rendeira Suelene Cavalcante, primeiro faz o desenho, depois coloca no papel grosso, em seguida alinhava e, em seguida, vai para a almofada. “Depois começa a tecer com agulha de mão, com aquelas agulhinhas que nossas mães eram acostumadas a fazer pontos manuais”, explica.
Talvez o ponto mais notável desta arte seja o que alinhava um caminho de emancipação para as mulheres. Maria de Fátima tinha cinco irmãos. Os pais batalharam para não deixa faltar nada em casa, mas ela queria comprar as próprias coisas. Ter a chamada autonomia financeira. “Quando comecei com meus nove anos eu precisa comprar sandália. Meus pais tinham cinco filhos. A partir dali fui produzindo mais e consegui comprar um desodorante e uma sandália”.
Para a rendeira Doralice Cavalcante, a renda renascença foi e ainda é o sustento dos quatro filhos. “Criei quatro filhos com a renda renascença. Na roça e na renda renascença. No final de semana, fazia serão, amanhecia o dia. Sou aposentada, mas não sei estar parada e ajuda”, revela.
Apesar da habilidade e da tradição, no começo do século XXI, as artesãs estavam dispersas e isoladas. As filhas das rendeiras já não faziam mais renda e o medo que a tradição acabasse crescia.
Com organizações não governamentais, Sebrae, poder público e rendeiras, a perceria foi formada. Segundo Marielza Rodrigues, gestora do Programa de Artesanato Paraibano, foi feito um trabalho de gestão compartilhada, mostrando a importância do sociativismo para que começassem a produzir de forma conjunta, para comprar o material de forma conjunta, para comprar o material de forma conjunta, vender de forma conjunta, com a qualidade do produto. “Colocamos elas para serem as multiplicadoras dessa qualidade”, disse Marielza.
Hoje elas estão organizadas em associações e a qualidade do trabalho é atestada por um conselho que concede um selo de identificação geográfica. “Isso para que a gente pudesse chegar em qualquer lugar do país e pudesse garantir que a renda é daqui, nossa”, explica a rendeira Maria do Socorro. Um conselho de qualidade ainda fiscaliza o produto, determinando o que pode ou não usar.
Essa qualidade não passa despercebida. Com dois meses até o desfile, todas começaram a trabalhar muito. Para Regina Gomes, foi um desafio, “mas as rendeiras são demais” diz ela. “Fazer uma obra do Flávio Tavares, trazer uma inspiração de Flávio Tavres, foi uma mudança”, diz Ronaldo Fraga.
Muitas nunca viram nem o mar de João Pessoa e colocaram suas rendas para desfilar em um local que, para elas, ainda era distante. Chegou a noite do desfile e muita gente foi ver o resultado dessa alquimia entre os trabalhos de Ronaldo Fraga, Flávio Tavares e das rendeiras do Cariri.
Sobre o corpo de cada modelo, a história das rendeiras e simbologia contida na obra do pintor. O resultado não poderia ser outro. “Estou me sentindo aliviando, entregue e muito feliz. Você se emociona com todo o processo, se emociona fazer, se emociona a entrega”, disse Ronaldo Fraga.
“Eu nunca pensava chegar onde chegou, e ainda vai chegar mais”, disse Doralice. “Para nós, isso é muito emocionante, foi muito bom para gente”, ressaltou Fátima.
Pode ter sido só o primeiro passo. Mas Marlene sonha alto. “Através de hoje vmaos ver oq ue vai acontecendo e talvez levaremos para o São Paulo Fashion Week”, declara.
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